Plantar no concreto: modelos práticos para resgatar a terra criando hortas urbanas
Como transformar espaços esquecidos em fontes de alimento, saúde e pertencimento
Tem uma coisa que o concreto fez a gente esquecer: que dá pra plantar comida. Que dá pra ter terra nas mãos sem sair da cidade. Que uma varanda de três metros pode virar despensa. E que isso não é luxo — é resgate.
Aqui, onde o asfalto tomou conta de quase tudo, reaprender a plantar é também reaprender a cuidar. De si, do outro, do chão que a gente pisa. E não precisa de muito: precisa de vontade, um pouco de sol e a certeza de que o que nasce da terra sempre vai ser mais forte do que o que nasce embalado em plástico.
Por que horta urbana importa — e por que agora
Criar uma horta urbana não resolve tudo, claro. Mas resolve muito: põe comida limpa na mesa, economiza dinheiro, ensina as crianças de onde vem o alimento, melhora o ar, ocupa espaço ocioso, cria laço com a vizinhança. E, principalmente, devolve autonomia.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), hortas urbanas podem produzir até 20 kg de alimentos por metro quadrado ao ano. E são mais eficientes que muitas plantações rurais, porque aproveitam melhor água, luz e espaço.
Em São Paulo, segundo a plataforma Sampa Rural, já existem mais de 1.045 hortas urbanas espalhadas pela cidade. No Rio de Janeiro, o movimento ainda é tímido, mas cresce. E aqui na Zona Oeste, onde tem quintal, tem laje, tem terreno baldio, tem praça abandonada — tem potencial de sobra.
Plantar no concreto: como começar do zero
Se você nunca plantou nada na vida, respira fundo: começar é mais simples do que parece. Não precisa de curso caro, não precisa de terreno enorme. Precisa de luz, água e disposição pra sujar a mão.
1. Escolha o lugar
O segredo tá no sol. Procure um cantinho que receba pelo menos 4 a 6 horas de luz direta por dia. Pode ser:
- Uma varanda
- Um pedaço de quintal
- Um terraço
- Uma janela larga
- Até um canto da cozinha com luz boa
Se não tem muito espaço, aposte em horta vertical: use garrafas pet, canos de PVC, pallets, prateleiras na parede. A criatividade aqui vale mais que dinheiro.
2. Escolha o recipiente
Não precisa de vaso caro. Use o que tiver:
- Baldes furados no fundo
- Caixotes de madeira
- Jardineiras de plástico
- Pneus velhos (lave bem antes)
- Garrafas pet cortadas
- Latas grandes
O importante é garantir que tenha furos de drenagem pra água não empoçar e apodrecer a raiz.
3. Prepare a terra
A terra boa é fofa, escura, cheia de vida. Misture:
- 60% de terra vegetal ou substrato orgânico
- 30% de húmus de minhoca
- 10% de areia (pra drenar melhor)
Se tiver acesso a restos de comida, faça compostagem. É o adubo mais barato e eficiente que existe: casca de banana, borra de café, casca de ovo, folhas secas. Tudo vira alimento pra planta.
4. Escolha o que plantar
Pra quem tá começando, vá no mais fácil:
Ervas aromáticas (crescem rápido e quase não dão trabalho):
- Manjericão
- Cebolinha
- Salsa
- Hortelã
- Alecrim
Hortaliças de folha:
- Alface
- Rúcula
- Couve
Pra quem tem mais espaço:
- Tomate cereja
- Pimentão
- Berinjela
Comece com 3 ou 4 tipos. Não tente plantar tudo de uma vez. Aprenda com calma.
5. Regue com carinho
Regar não é encharcar. É molhar até a terra ficar úmida, não encharcada. O ideal é regar de manhã cedo ou no fim da tarde, quando o sol não tá forte.
Passe o dedo na terra: se tiver seca uns 2 cm pra baixo, pode regar. Se tiver úmida, espera.
6. Cuide todo dia (mas sem neura)
Planta pede atenção, mas não vira escrava de ninguém. Olhe todo dia: veja se tem bichinho, se a folha tá amarela, se precisa de água, se cresceu demais e precisa de poda.
E vai aprendendo. Planta ensina.
Referências pra você ir mais fundo
Se você quer aprender mais, tem muita gente boa ensinando por aí — de graça, no YouTube, em manuais abertos. A gente pesquisou e separou algumas das melhores fontes:
Vídeos e canais no YouTube:
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Manual do Jardim — Canal brasileiro que ensina do zero, desde escolha de vaso até colheita. Tem curso completo online e várias receitas com o que você colhe.
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A Senhora do Monte — Canal de Tiago Lucena, especialista em agricultura biológica e permacultura. Ele ensina como fazer horta mesmo em apartamento pequeno.
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Nô Figueiredo (O Cultivador) — Engenheira agrônoma que ensina de forma super didática sobre jardinagem e hortaliças. Tem vídeos sobre como cultivar ervas aromáticas em casa.
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Curso gratuito "Horta Orgânica" (legendado em português) — São 10 aulas de menos de 30 minutos cada, ensinando desde os princípios da agricultura orgânica até controle de pragas e colheita. Disponível no canal BorelliStudio.
Manuais e guias (download gratuito):
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"Pequeno guia prático para a agricultura urbana" — Lançado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2018. Ensina técnicas de agrofloresta, preparo do solo, compostagem e influência das fases da lua no plantio.
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"Hortas Urbanas" — Instituto Pólis — Manual completo com passo a passo, desde preparação da horta até receitas com os vegetais colhidos. Feito para o projeto de Moradia Urbana com Tecnologia Social da Fundação Banco do Brasil.
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Manual de Horta da Prefeitura de São Paulo — Publicação técnica da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, com foco em cultivo de hortaliças.
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Grupo do Facebook "Horta Biológica em Casa" — Comunidade ativa de pessoas que compartilham dúvidas, dicas e experiências com hortas urbanas.
Sites e plataformas de referência:
- eCycle — Portal brasileiro com artigos detalhados sobre como fazer horta urbana, compostagem e agricultura sintrópica.
- CicloVivo — Site de sustentabilidade com tutoriais sobre hortas caseiras.
- Timeout Lisboa/Porto — Matérias sobre agricultura urbana com dicas de especialistas portugueses (adaptáveis ao Brasil).
- Iberdrola — Artigos sobre benefícios das hortas urbanas e dados da FAO.
Hortas comunitárias: quando a terra vira encontro
Se você não tem espaço em casa, ou se quer plantar com mais gente, existe outra saída: horta comunitária.
Funciona assim: um grupo de moradores se junta, identifica um terreno público abandonado ou subutilizado (praça, canteiro, área verde do condomínio), pede autorização pra prefeitura ou pro síndico, e organiza o trabalho coletivo.
É trabalho? É. Mas também é terapia, é pertencimento, é vizinhança que volta a se olhar. E tem exemplo disso funcionando: em São Paulo, já são mais de mil hortas. Aqui no Rio, ainda é pouco, mas já tem gente fazendo — especialmente em regiões periféricas onde o alimento fresco não chega fácil.
Se quiser começar uma horta comunitária no seu bairro:
- Reúna pelo menos 5 pessoas interessadas
- Identifique o terreno e descubra quem é o dono (prefeitura, particular, condomínio)
- Faça uma proposta por escrito
- Comece pequeno: um canteiro, algumas mudas
- Divida as tarefas: tem quem rega, quem poda, quem cuida da composteira
- Colha junto e divida junto
O que horta urbana tem a ver com o Sertão Carioca?
Tudo.
Porque a Zona Oeste, essa região que ainda guarda mato, quintal, rio escondido, é o lugar perfeito pra resgatar esse tipo de prática. Aqui tem espaço. Aqui tem gente que ainda sabe o nome das plantas. Aqui tem avó que ensina a fazer chá, mãe que conhece remédio caseiro, criança que ainda brinca no chão de terra.
Mas também tem laje, tem condomínio apertado, tem apartamento pequeno. E isso não impede nada. Porque plantar não é sobre ter muito — é sobre começar.
E quando a gente planta, a gente lembra: que comida vem da terra, não do mercado. Que autonomia se constrói com as mãos. Que cuidar da planta é cuidar da gente. E que um pé de manjericão na janela já é resistência.
Dicas finais pra não desistir no meio do caminho
- Comece pequeno. Três vasos são suficientes.
- Não compare. Sua horta é sua. Não precisa ser Instagram.
- Aceite que planta morre. Faz parte. Plante de novo.
- Pergunte pros mais velhos. Eles sabem coisas que a internet não ensina.
- Envolva as crianças. Elas aprendem rápido e não esquecem mais.
- Não tenha pressa. Planta tem tempo próprio.
Conclusão: plantar é reconquistar
Quando a gente planta no concreto, a gente tá dizendo: eu não aceito só o que me dão. Eu crio. Eu cuido. Eu colho.
E isso, num lugar como a Zona Oeste — onde falta tanto e onde tem tanto potencial —, é revolucionário. É simples, mas é poderoso.
Porque cada pé de alface que nasce num vaso furado é um lembrete de que a gente ainda pode. De que ainda dá. De que a terra responde quando a gente volta pra ela.
Então pega um balde velho, enche de terra, joga umas sementes. E espera. Porque o que nasce daí é mais do que comida — é esperança.

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