Gigantes Verdes do Sertão Carioca
História e Preservação dos Maciços da Pedra Branca e Mendanha
Vem comigo nessa jornada por trilhas históricas e ecológicas que revelam por que esses maciços são muito mais que paisagem — são patrimônio vivo do nosso povo.
O Maciço da Pedra Branca: O Gigante Esquecido que Alimentou uma Metrópole
Ergue-se no Sertão Carioca um território rural que resiste nas encostas do Maciço da Pedra Branca, onde encontramos o ponto mais alto da cidade — o pico da Pedra Branca, com 1024 metros de altura. Mas essa majestade natural não ficou intocada pelo tempo colonial. Muito pelo contrário.
No interior da floresta do Maciço da Pedra Branca, vestígios de carvoarias artesanais utilizadas do século XVIII até o início do século XX marcam o território com superfícies planas cobertas por terra preta contendo pequenos fragmentos de carvão. Era o suor invisível que movia a modernidade carioca.
Ao Maciço da Pedra Branca coube alimentar as caldeiras e forjas que transformaram a paisagem do Centro na reforma de Pereira Passos, transferindo quantidades abissais de energia da floresta para a cidade. Enquanto a elite se deslumbrava com as lâmpadas elétricas da Belle Époque tropical, era o povo negro recém liberto que desbravava a mata e, com suas tecnologias carvoeiras, transferia para o Centro do Rio a energia da floresta.
Essa história que raramente aparece nos livros escolares revela uma verdade incômoda: o concreto e a modernidade do Rio foram edificados sobre o trabalho invisível de homens e mulheres que extraíam carvão das matas do Sertão Carioca. O Maciço da Pedra Branca ergue-se como uma das maiores estruturas geomorfológicas do município, revelando em sua constituição rochosa uma história geológica que remonta a 600 milhões de anos atrás.
Serra do Mendanha: De Sesmarias aos Santuários de Biodiversidade
As matas do Maciço do Mendanha começaram a sofrer pressões antrópicas ainda no século XVII, pois em 1603 as terras da região foram concedidas como sesmarias a Manoel Gomes e Diogo Montarois que nelas plantaram canaviais, abriram caminhos e construíram engenhos de açúcar. O território que hoje conhecemos como bairros de Bangu, Campo Grande, Realengo e Senador Camará era, naquele tempo, chão de engenho e cana-de-açúcar.
Na região existia uma madeira preciosa chamada Tapinhoã, que podia substituir o Carvalho no reparo de naves Portuguesas que chegassem ao Brasil avariadas — madeira de alta dureza e resistência que somente podia ser usada pela Coroa Portuguesa devido à sua importância estratégica. A serra do Mendanha, portanto, não era apenas paisagem: era recurso estratégico da colônia.
Durante o período colonial, a região foi intensamente explorada para atividades agrícolas, especialmente por fazendas voltadas ao cultivo de cana-de-açúcar e abastecimento de água potável. No século XIX, cafezais dominavam as encostas onde hoje crescem jequitibás centenários.
A Reviravolta: Quando a Fábrica Virou Guardiã da Floresta
Aqui mora uma das ironias mais bonitas da história ambiental carioca. Se por um lado a Fábrica de Bangu foi uma das impulsionadoras iniciais do ocupamento da região, por outro, foi a responsável pela preservação de uma grande área conhecida como Floresta do Mendanha.
A Companhia Bangu possuía uma gleba de 6.500.000m², conhecida como Floresta do Mendanha, e ao longo deste século impediu a ocupação em sua propriedade, possibilitando a preservação da maior reserva de mata primária da cidade. Quando a fábrica hipotecou a floresta junto ao Banco do Brasil nos anos 1990, a Prefeitura do Rio negociou a aquisição e criou o Parque do Mendanha em 2001.
Mata Atlântica: O Tesouro Verde que Resiste no Coração da Metrópole
Números que Impressionam, Biodiversidade que Emociona
O Parque da Pedra Branca possui cerca de 12.500 hectares de área coberta por vegetação típica da Mata Atlântica, sendo a maior área do Rio de Janeiro coberta em seu estado original. O maciço faz limite com 19 bairros: Campo Grande, Senador Vasconcelos, Santíssimo, Senador Camará, Bangu, Padre Miguel, Realengo, Jardim Sulacap, Taquara, Jacarepaguá, Curicica, Barra da Tijuca, Camorim, Vargem Pequena, Vargem Grande, Recreio dos Bandeirantes, Grumari, Barra de Guaratiba e Guaratiba.
Não é pouco. Estamos falando do maior parque urbano de floresta primária da América Latina. Ali dentro, a vida pulsa em cada folha, em cada cachoeira, em cada canto de pássaro.
É coberto por vegetação típica da Mata Atlântica com braúnas, cedros, jacarandás, jequitibás e ipês, abrigando uma enorme variedade de animais silvestres: cachorro-do-mato, preguiças, tamanduás-mirins, pacas, tatus, cotias, tucanos, gaviões, répteis e pássaros, muitos deles ameaçados de extinção.
E tem mais: um jequitibá-rosa com impressionantes 40 metros de altura — o equivalente a um prédio de 13 andares — e cerca de sete metros de circunferência foi descoberto recentemente por pesquisadores da Estação Biológica Fiocruz Mata Atlântica, com idade estimada de aproximadamente 500 anos. Quando essa árvore nasceu, o Brasil ainda era colônia recém-descoberta.
O Mendanha: Vulcão Extinto, Vida Exuberante
O Maciço de Gericinó-Mendanha se estrutura sobre rochas alcalinas, produto de intrusões magmáticas que romperam a crosta continental durante o período Cretáceo, há cerca de 80 a 100 milhões de anos atrás. O Maciço do Gericinó possui como características matas nativas e o polêmico Vulcão da Mendanha extinto há 60 milhões de anos.
Um vulcão! No Rio de Janeiro! Pois é, meu amigo. O solo que pisamos no Sertão Carioca guarda segredos geológicos que remontam aos dinossauros.
A Serra do Mendanha oferece alguns dos melhores banhos em cachoeiras e piscinas naturais do município, com poços de cerca de 10 metros de profundidade e 50 metros de diâmetro gerados pela formação rochosa. A cobertura vegetal do Parque Natural Municipal Mendanha enquadra-se na Floresta Ombrófila Densa Submontana e Montana, com matas em avançado estágio de regeneração.
Preservação: A Luta Diária Contra o Concreto
O Parque Estadual da Pedra Branca tem como objetivos preservar este remanescente florestal localizado em ponto estratégico do Rio de Janeiro e área núcleo de biodiversidade da Mata Atlântica, além de preservar mananciais hídricos ameaçados pela expansão urbana.
O Maciço do Gericinó/Mendanha foi declarado como Reserva da Biosfera da Mata Atlântica pela UNESCO em 1992. Não é título simbólico — é reconhecimento internacional de que ali está um patrimônio da humanidade.
Segundo o coordenador de projetos da Fiocruz, florestas preservadas onde populações animais estão em equilíbrio oferecem menores riscos de transmissão de zoonoses. Preservar as matas do Sertão Carioca não é romantismo ecológico — é questão de saúde pública.
Águas que Nascem nas Serras, Vidas que Dependem das Nascentes
Os Rios Invisíveis que Sustentam a Metrópole
Aqui chegamos ao ponto mais vital dessa história toda. Literalmente vital. A criação do Parque Estadual do Mendanha visa assegurar a proteção dos sistemas geo-hidrológicos da região, que abrigam nascentes de inúmeros cursos de água contribuintes do Rio Guandu.
O Guandu, para quem não sabe, abastece de água os municípios do Rio de Janeiro e da região do Grande Rio. Sem as nascentes do Mendanha e da Pedra Branca, não tem água na torneira. É simples assim.
A geografia fluvial da região da Baía de Sepetiba é moldada principalmente pela vertente oeste do Maciço da Pedra Branca e pelas encostas sul e sudoeste do Maciço de Gericinó-Mendanha, que originam rios de curso relativamente curto, porém com regime torrencial nas partes altas.
Dentro dos limites do município do Rio, destacam-se os rios Guandu-Mirim, Cação Vermelho, Cabuçu, Piraquê e Portinho, todos com nascentes nos contrafortes dos maciços. São veias d'água que correm pelas pedras, alimentam cachoeiras, formam poços cristalinos e descem até os manguezais da Baía de Sepetiba.
Cachoeiras: Onde a Água Dança e a Vida se Renova
No Parque do Mendanha existem vários cursos d'água cristalinos com algumas pequenas quedas (cachoeiras), e a preservação das matas garante a boa oferta d'água decorrente das chuvas estacionais. Cada cachoeira é um altar da natureza, onde a água desce em cortinas brilhantes, espumando entre as pedras cobertas de musgo.
É nessas cachoeiras que o ciclo da vida se completa. A água que cai alimenta os riachos, que formam os rios, que descem para as baixadas, que encontram os manguezais, que nutrem a Baía de Sepetiba. E a chuva que volta, trazida pelos ventos oceânicos, encontra as montanhas cobertas de mata fechada — e recomeça o ciclo.
A bacia hidrográfica contribuinte à Baía de Sepetiba possui dois conjuntos fisiográficos distintos: o Domínio Serrano representado pelo Maciço da Pedra Branca e Mendanha; e o Domínio da Baixada, representado por uma extensa planície flúvio-marinha.
Reflexão Final: Guardiões de Água, Patrimônio de Todos
Quando você abre a torneira na sua casa em Bangu, Campo Grande, Realengo ou qualquer outro bairro do Sertão Carioca, está bebendo água que nasceu numa nascente escondida entre jequitibás e bromélias, que desceu por pedras vulcânicas de 80 milhões de anos, que atravessou florestas onde tamanduás-mirins procuram formigueiros e onde tucanos anunciam o amanhecer.
A preservação dos Maciços da Pedra Branca e do Mendanha não é apenas uma questão ambiental abstrata. É a garantia de que as próximas gerações terão água limpa, ar puro, sombra fresca nas trilhas e o privilégio de ouvir o canto dos pássaros em plena metrópole.
A região é terra repleta de história, com uma infinidade de sítios de interesse cultural e turístico preservados: antigos aquedutos, açudes, represas, casas de fazenda, senzalas e quilombos, construções seculares, igrejas e fortificações do tempo do Império. É patrimônio histórico, geológico, hídrico e humano.
Os quilombos que resistem — Camorim, Cafundá Astrogilda, Dona Bilina — são guardiões contemporâneos dessas matas ancestrais. Agricultores tradicionais, alguns descendentes diretos dos carvoeiros do início do século XX, são herdeiros da tradição do povo da floresta.
Preservar essas matas é honrar a memória dos carvoeiros negros que alimentaram a metrópole com seu trabalho invisível. É garantir água para 8 milhões de pessoas. É manter vivo um pedaço de Brasil que ainda resiste, verde e pulsante, no meio do concreto.
É reconhecer que o Sertão Carioca não é periferia — é centro de biodiversidade, berço de águas, guardião de histórias. E que seus gigantes verdes, a Pedra Branca e o Mendanha, não são apenas montanhas: são patrimônio vivo de um povo que aprendeu a sobreviver, resistir e florescer nas encostas da vida.
Cada gota d'água que desce dessas serras carrega cinco séculos de história. Cada árvore centenária é testemunha de ciclos que começaram antes de qualquer cidade. E cada nascente preservada é promessa de futuro para o Sertão Carioca e para todo o Rio de Janeiro.
Preserve. Respeite. Celebre. Porque essas matas não são apenas natureza — são nossas raízes, nossa água, nossa história. São, enfim, nosso lar.
Referências:
- AS-PTA. Histórias do Maciço da Pedra Branca. 2023. Disponível em: https://aspta.org.br
- Ecomuseu Sertão Carioca. O Maciço da Pedra Branca. 2019.
- Rio Memórias. Maciço da Pedra Branca. 2025.
- RioOnWatch. Povos da Pedra Branca e os Dilemas Energéticos da Urbanização. 2024.
- 123Ecos. Parque Estadual do Mendanha - História e Biodiversidade. 2025.
- Rio Cidade Maravilhosa. Parque Estadual do Mendanha. 2014.
- INEA-RJ. Parque Estadual da Pedra Branca. 2013.
- Silva et al. Áreas verdes na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Revista Meio Ambiente Brasil, 2021.
- Agência Brasil. Projeto da Fiocruz vai restaurar área da Mata Atlântica. 2023.
- Comitê Guandu. Bacia Hidrográfica dos Rios Guandu, da Guarda e Guandu-Mirim. 2012.

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